SILÊNCIO INTERIOR.
Carlos Castaneda
Silêncio
Don Juan dizia que o silêncio interior era o estado buscado com maior avidez pelos xamãs do México Antigo. Ele o definia como um estado natural da percepção humana, no qual os pensamentos são bloqueados e todas as faculdades do homem operam de um nível de consciência que não requer a utilização do nosso sistema cognitivo diário.
Para os xamãs da linhagem de Don Juan, o silêncio interior sempre tem sido associado à escuridão, talvez porque a percepção humana, privado do seu companheiro habitual, o diálogo interno, caia em algo que se assemelha a um buraco escuro. Ele dizia que o corpo funciona normalmente, mas a percepção se torna mais aguda. As decisões são instantâneas e parecem provir de um tipo especial de conhecimento que é destituído de verbalizações mentais.
De acordo com Don Juan, a percepção humana, funcionando em uma condição de silêncio interior, é capaz de atingir níveis indescritíveis. Alguns daqueles níveis de percepção são mundos em si e de modo algum são como os mundos alcançados através do sonhar. Eles são indescritíveis e inexplicáveis em termos dos paradigmas lineares que o estado habitual emprega para explicar o universo.
No entendimento de Don Juan, o silêncio interior é a matriz para um passo gigantesco de evolução: o conhecimento silencioso ou o nível da consciência humana no qual o saber é automático e instantâneo.
- Passes Mágicos, pag. 137.
***
Não sentia que estava caminhando; também não estava voando. Sem dúvida, era transportado com extrema facilidade. Meus movimentos tornavam-se convulsivos e desgraciosos apenas quando tentava pensar a seu respeito. Quando desfrutava deles sem pensamentos, entrava num estado único de relação física sem precedentes. Se já tive momentos de felicidade física como aquele em minha vida, devem ter sido tão curtos que nem deixaram lembrança. No entanto, quando experimentava aquele êxtase, senti uma vaga recognição, como se alguma vez o tivesse conhecido mas esquecido.
A exaltação de me mover através do chaparral era tão intensa que tudo o mais cessou. A única coisa que existia era aqueles momentos de movimento e paradas.
Contudo ainda mais inexplicável foi a sensação corporal total de pairar acima dos arbustos. Em dado instante, vi com nitidez a figura do jaguar à minha frente. Estava se afastando tão rapidamente quanto podia. Senti que ele tentava evitar os espinhos dos cacto. Era extremamente cuidadoso quanto ao lugar onde pisava.
Tive a subjugante necessidade de correr atrás do jaguar e assustá-lo para que perdesse sua precaução. Sabia que ele precisaria ser ferido pelos espinhos. Um pensamento então irrompeu em minha mente silenciosa — pensei que o jaguar seria um animal mais perigoso pelos espinhos.
Aquele pensamento produziu o mesmo efeito que alguém acordando-me de um sonho. Quando percebi que meus processos de pensamento funcionavam outra vez, descobri que chegara na base de uma cadeia baixa de morros rochosos. Olhei ao redor. Don Juan estava poucos metros atrás.
- O Poder do Silêncio.
***
— O caminho do guerreiro é tão absolutamente importante, Dom Juan? — eu lhe perguntei uma vez.
— "Absolutamente importante" é um eufemismo. O caminho do guerreiro é tudo. É o resumo da saúde mental e física. Não posso explicar de outro modo. O fato de os xamãs do México antigo terem criado tal estrutura significa, para mim, que eles estavam no auge de seu poder, no cume de sua felicidade, no ápice de sua alegria. - Roda do Tempo.
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